quarta-feira, 2 de maio de 2012

Artigo: Justa distribuição (30/04/2012)


Assisti a uma sessão do Senado enquanto estive em Brasília. Na oportunidade, a senadora Ana Amélia Lemos usou a tribuna para falar sobre o Pacto Federativo, um assunto que está em pauta no país há bastante tempo e sobre o qual já me manifestei em momentos anteriores. Lamento não poder reproduzir aqui a íntegra do discurso – por óbvias questões de espaço – mas aproveito alguns trechos que permitem uma reflexão sobre o tema.
Antes da Constituição de 1988, a fatia tributária dos municípios era pequena, como IPTU e taxas que garantiam serviços como manutenção das escolas rurais, estradas vicinais e limpeza urbana, por exemplo. Os investimentos e serviços essenciais à população eram garantidos pela União e pelos Estados. Depois de 88, novas regras para repartição dos recursos foram estabelecidas, mas na prática o Governo Federal foi criando tributos novos, repassando diferentes responsabilidades aos municípios, sem que houvesse o repasse de dinheiro suficiente para honrar os novos compromissos.
Na prática o jogo é assim: A União concentra os tributos arrecadados e os municípios concentram as responsabilidades com a população. Mas é no município que as riquezas são produzidas e é nele que os cidadãos vivem e consomem. É também no município que os recursos de impostos são gerados para serem entregues aos Estados e à União e, posteriormente, retornarem ao seu local de origem. Mas o que chega nos municípios é muito menos do que deles sai.
Dados da Confederação Nacional dos Municípios mostram que a União concentra 60% da carga tributária e executa menos de 30% dos investimentos públicos no país. Os municípios concentram 15% da carga tributária e executam mais de 30% dos investimentos públicos. Atualmente, a União mantém mais de 390 programas federais na área social, impondo aos municípios a responsabilidade de executá-los sem terem recursos suficientes para isso.
Foi criada uma Comissão Especial no Senado para examinar, sob o ponto de vista jurídico, constitucional e acadêmico, o que se pode mudar no tal pacto federativo. Porém, na pauta principal da comissão, não aparece a palavra município ou municipalismo.
Estamos perdendo uma grande chance de discutir a redistribuição do bolo tributário, a regulamentação das competências entre os poderes, o custeio da saúde e educação e a geração de despesas e obrigações por parte do Governo Federal, sem garantir aos municípios o custeio dos programas lançados pelo Governo Federal, que costuma fazer festa com chapéu alheio. Se o Brasil deseja realmente ser uma República Federativa, precisa conceder autonomia aos estados e municípios, promovendo o aumento da qualidade de gestão do recurso público e, consequentemente, o aumento da qualidade de vida dos cidadãos e cidadãs.

Artigo: Acesso à informação (23/04/2012)


Faltando pouco mais de duas semanas para entrar em vigor, em 16 de maio, muito se tem falado na Lei de Acesso à Informação, sancionada pela presidente Dilma Roussef em novembro do ano passado, cujo objetivo central é ampliar a transparência no país. A lei torna a informação pública aberta nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em todos os níveis de governo. Na teoria, todos os brasileiros poderão consultar documentos e informações produzidas pela administração pública, tendo acesso a elas de forma clara, rápida, e em linguagem simples e direta, com apoio de ferramentas de busca e pesquisa.
Digo teoria, porque na prática sabemos que são grandes as dificuldades para implementar esta lei de forma completa, pelas dificuldades estruturais e, principalmente, porque implica numa mudança de cultura. Os órgãos públicos terão de abrir, literalmente, todos os seus documentos. Mostrar tudo o que fazem, não somente aquilo que lhes interessa ou acham que é importante.
Será preciso mais do que cumprir formalidades legais, como é o caso dos portais de transparência e audiências públicas de prestação de contas, que hoje, na maioria das vezes, são meras ferramentas burocráticas, de difícil entendimento ao cidadão comum. E que por isso mesmo, ao invés de estimular a transparência e facilitar a fiscalização, acabam gerando desinteresse, dúvidas e desconfiança.
Mas, ainda que haja boa vontade e que os órgãos públicos consigam deixar para trás a “cultura do segredo”, a Lei de Acesso a Informação esbarra na questão estrutural. Apesar dos avanços tecnológicos, ainda há muitos que não têm seus dados atualizados e disponíveis para consulta imediata. Normalmente, cada setor “cuida” do que lhe é pertinente. Não há controle ou convergência de dados, nem padrão de armazenamento, fluxo ou utilização. Quando se quer uma estatística sobre determinado assunto, não raro é preciso consultar dois ou três responsáveis, procurar em dois ou três setores, garimpar em duas ou três repartições.
A Lei de Acesso a Informação é importante, sem dúvida, porque vai quebrar velhos paradigmas relativos à transparência pública e cidadania.  Mesmo concordando com a colocação do professor de Direito Civil Frederico Viegas, publicada numa revista que trazia matéria sobre esta legislação, de que “cultura não se muda por decreto, nem transparência se faz por lei”, acredito que é uma excelente oportunidade para revisar - e melhorar – as rotinas de atendimento e prestação de serviços à população, de propiciar ferramentas que melhorem as condições de trabalho dos funcionários públicos e, lógico, de permitir que o cidadão conheça e participe da gestão pública.
A total transparência não acontecerá de uma hora para outra. Tampouco o cidadão saberá usar plenamente este acesso que terá às informações. Será um aprendizado constante, de ambos os lados.